Como de costume, este CD traz doze faixas compostas, escritas e interpretadas pelo próprio Miro, em mais um disco autoral cuidadosamente elaborado. Intitulado MESCLA LATINA, o novo trabalho faz jus ao título, mesclando temas gaúchos com faixas do estilo latino americano, estas com ritmos e instrumental típicos. A mistura do repertório busca ressaltar as influências andinas sobre a música gaúcha e as diversas vertentes que constituem o nosso cancioneiro. O disco convida o ouvinte a um passeio musical que cruza os Andes com LA NEGRA DE TUCUMÁN, uma homenagem à grande Mercedes Sosa, passa pelas grandes capitais com COVARDIA, a história real de um menino de rua, e chega ao litoral com um toque de misticismo em CAVALEIRO DAS ONDAS.
A escolha de cada letra, melodia e arranjo obedece a critérios que visam tornar o disco agradável ao ouvinte, conduzindo-o pelo cenário descrito em cada tema, ao mesmo tempo em que, ao primarem por um conteúdo fundamentado, vão além do entretenimento e encaixam o disco na engrenagem sociocultural. Mais uma vez, recomendamos.
Gravadora Vertical.
Clique sobre o nome da música para saber mais sobre ela. Este espaço tem o objetivo de proporcionar aos interessados, com palavras do próprio autor, uma rápida ideia sobre o conteúdo das letras, desde o tema até o objetivo e/ou a intenção com que cada uma delas foi concebida.
Retrata a volta, e o reencontro consigo mesmo, de alguém que partiu e virou o mundo em busca de algo que deixou no próprio pago.
(Miro Saldanha)
Eu tenho a sede nos lábios;
De dores, a alma cheia;
Nos olhos marejo ânsias de chegar.
Eu venho de muito longe,
De onde a fome campeia.
Não trago histórias bonitas pra contar!
Migrei de campo e semente
Pra não mais ter que semear;
E herdei a sina inclemente
Dos que não têm pra plantar.
Segui os rastros deixados
Pelos que ousaram sonhar;
E os ossos dos desgarrados
Me diziam pra voltar!
REFRÃO
Voltei pra o berço da Pampa;
De onde, um dia, parti.
Reconheci minha estampa
Em cada sanga daqui!
Meu zaino, quase cansado,
Fareja o chão da querência,
Juntando as forças que restam pra chegar.
Andei por terras estranhas,
Cinchando a sobrevivência;
Mas o que deixei aqui, não tem por lá!
Só trago versos tristonhos
Que a solidão faz cantar;
Na concha das mãos, os sonhos
Que ainda pude salvar.
Segui os rastros deixados
Pelos que ousaram sonhar;
E os ossos dos desgarrados
Me diziam pra voltar!
REFRÃO (Bis)
Engloba o perfil da maioria dos jovens, sonhadores, como todos são. A mensagem é abordada sob a forma da história de um jovem rapaz, que parte achando que pode mudar o mundo com um violão. Impetuoso, ele não ouve os conselhos da mãe, que o alerta sobre as agruras do mundo lá fora. Diante da sua decisão irremovível, ela lhe pede que demonstre sua habilidade dedilhando as cinco notas musicais ao violão. Confiante e orgulhoso de seu conhecimento, ele contesta, argumentando que a escala musical tem SETE e não CINCO notas. Só depois, com os tombos da vida, ele percebe que ela estava certa e que, na escala do mundo, faltam DUAS NOTAS.
(Miro Saldanha)
Eu lembro dia e hora em que cismei de sair,
Pra ver as voltas que esse mundo dá;
Violão a tiracolo, decidido a partir,
E a minha mãe dizendo: “Não vá!
Meu filho, eu sei que um sonho mora em teu coração
E, às vezes, toma conta de ti;
Mas diga se és capaz de dedilhar, ao violão,
As cinco notas MI, FA, SOL, LÁ, SI!”
Mamãe, essa pergunta não impede a partida!
A estrada é feita desse vai-e-vem!
Por mais que a senhora entenda um tanto da vida,
São sete as notas que a escala tem!
Então, ela me disse: “Vida e notas são tuas,
E és livre pra o teu sonho dedilhar;
Mas sei que, cedo ou tarde, darás falta de duas.
E é dessas que eu quero te falar:
É o Dó, que o mundo não tem,
E o Ré, que o tempo não dá”.
xxxxxxxxxxx
Eu trouxe, na lembrança, aquele beijo na mão
Que me abençoava em nome de Deus.
E, pra mudar o mundo, nada além de um violão,
Um santo e uma foto dos meus.
E hoje sigo um sonho, já coberto de pó,
Que eu dedilho à custa da fé;
E o mundo me acompanha em sua escala sem Dó,
A me lembrar que o tempo não dá Ré!
Carrego, na garupa, outras tantas partidas;
A estrada é feita desse vai-e-vem.
Mas vejo, pelo tanto que hoje entendo da vida,
São cinco as notas que a escala tem.
Eu lembro que ela disse: “Vida e notas são tuas,
E és livre pra o teu sonho dedilhar;
Mas sei que, cedo ou tarde, darás falta de duas;
E é dessas que eu quero te falar:
É o Dó, que o mundo não tem, (Bis)
E o Ré, que o tempo não dá”.
Dó, o mundo não tem.
Ré, o tempo não dá.
É a música título do disco. A melodia busca mostrar a influência da música latina-americana sobre a nossa música. Já a letra, retrata as origens da gente gaúcha.
(Miro Saldanha)
Há muitos sóis, muitas luas,
Quando o branco aqui chegou,
Chamou a terra de sua;
E ao índio se misturou,
Gerando um guapo charrua;
Por “gáucho”, se batizou.
Forjado na Pampa nua,
Trouxe a coragem que herdou
E uma altivez, ainda crua,
Que a liberdade ensinou.
REFRÃO
E é dessa mescla latina
Que o sangue gaúcho vem;
Da xucra matriz sulina
E do bravo imigrante também.
Meu povo peleou na guerra,
Com cada fuzil que tinha,
Pra defender esta terra
Que eu amo chamar de minha!
x.x.x.x.x
A história escreveu balaços
Sobre paredes furadas,
Pra conquistar este espaço
Que hoje é uma terra sagrada!
Quem duvidar, que dê um passo
Sobre a fronteira traçada!
Tente mexer nos pedaços
Desta bandeira rasgada,
E um taura chama pra o braço,
Por entre as lanças quebradas.
REFRÃO (bis)
Foi composta e escrita em homenagem aos carreteiros de São Gabriel/RS, minha terra natal. Segundo dados da EMATER, lá pelo anos 90 ainda existiam cerca de 45 famílias que sobreviviam da venda de seus produtos cultivados no interior e comercializados na cidade, transportados em carretas puxadas a boi. Dados mais atualizados reduzem esse número para 30 famílias nos dias de hoje. Mas o número das que mantém carretas como tradição é bem maior.
(Miro Saldanha)
Sonolento fim de tarde de um retalho de verão;
Cascos que vieram de longe, martelando sobre o chão;
Pés descalços na poeira, marcas de calo na mão;
Lábios que juntam, sem pressa, fragmentos de canção:
REFRÃO
“Vai, carreta! Vai Rodando!
Vai, que o tempo é patrão!
Em cada roda que gira, corta tiras deste chão!
Vai, boiada!
Vai, que há bocas que choram com fome de grão!
E da terra que o boi amassa vem a massa do meu pão.” (bis)
x.x.x.x.
À noite, vem a saudade se chegar, branda e faceira,
Cantando frases perdidas da toada carreteira;
As mãos, num gesto de fada torcendo vestes caseiras,
Penduram trapos de sonhos nos arames da porteira!
x.x.x.x
REFRÃO
x.x.x.x
Ainda a última brasa teima em ficar acordada,
Queimando um resto de vida na fogueira já cansada,
Lá se vai o carreteiro, deixando, atrás, a toada
Escrita em letras de poeira pelos cascos da boiada!
x.x.x.x
REFRÃO
……
“Vai...! Vai...!”
É um retrato do sonho de liberdade de Simón Bolívar, de ver a América Latina livre e unida como um só bloco e um só povo, feitos de nações independentes e soberanas. Foi um sonho que ele quase alcançou, bem diferente das fantasias comunistas e ditatoriais de alguns líderes de hoje.
(Miro Saldanha)
Bolivariana América Santa,
De riquezas que encantam rivais,
Os sonhos desta voz que te canta
Já sufocaram quantas iguais!
De arar esta terra, que é tanta,
E que colha quem planta os trigais;
Porque amarras sufocam gargantas,
Mas ideal que se planta, jamais!
REFRÃO
Que seja livre o cantar da cigarra!
Que hoje cantem por nós
Os que já nascem com a voz na guitarra
E uma guitarra na voz!
Que lo que canta no cante solito
Por cantar tu verdad!
Y no se muera en tu boca este grito;
Grito de libertad!!
Não adianta mudar tua história,
Como quer uma escória fazer;
Dar teu mapa, com dedicatória,
A heróis sem memória ou querer;
Triste farsa de paz compulsória,
Pra uma nação simplória viver.
Teu destino é alcançar a vitória
Num futuro de glória e poder!
REFRÃO (bis)
Retrata a inegável preocupação dos pais, nos tempos atuais. A saudade que temos dos velhos perigos, do tempo em que nossas preocupações eram de que nossos filhos não aprendessem palavrões, que não caíssem do cavalo, que não se afogassem ao nadar nos rios ou açudes, que não fossem picados por alguma cobra ou que não brigassem na escola. Hoje as preocupações são outras, daí a saudade de nosso berço natal e daquele tempo.
(Miro Saldanha)
Eu tenho, nos olhos, a imagem do gado;
E o rosto marcado da poeira do chão;
O braço curtido do cabo do arado
E o laço tatuado na palma da mão.
Eu tenho motivos, de campo e cavalo,
Que eu penso e não falo pra não contrariar;
Mas, pra que o meu filho não herde os meus calos,
Caí nesse pialo, pra vê-lo estudar.
REFRÃO
Os muros e grades nos deram abrigo.
Se é prêmio ou castigo, só o tempo dirá;
Mas esta saudade que mora comigo
É de lá, vem de lá.
Mastigo o silêncio das minhas verdades,
Que outras verdades trouxeram pra cá;
Porém o motivo da minha saudade
É de lá, vem de lá.
Eu tenho saudade dos medos antigos,
Dos velhos perigos que o tempo revoga.
Aqui, basta um filho sair com amigos
E eu, quieto, maldigo esse medo das drogas.
A mãe ouve a moto e se vai do meu lado,
Num passo apressado, dizendo ter sede;
Da cama eu avisto seu vulto ajoelhado,
Com os olhos pregados na cruz da parede.
REFRÃO
...
É de lá, vem de lá. (bis)
Se reporta às origens dos povos tribais que habitavam a América pré-colombiana. Aborda, de uma forma mística, o condor, ave símbolo dos Andes e da cultura dos povos ameríndios, explorados, aniquilados e sepultados junto com uma cultura milenar sobre a qual pouco se sabe, hoje substituída pela cultura de uma sociedade branca de futuro duvidoso.
(Miro Saldanha)
Senhores, venho dos montes por onde voa o condor;
Solo sagrado onde o índio foi o primeiro a pisar;
O branco escreveu a história de escravidão e de dor
E a sombra, de grandes asas, veio do céu pra mudar.
-.-.-.-
REFRÃO
Espírito que voa, teu grito ecoa na imensidão,
Sonhando um povo latino com seu destino na mão!
A sombra de tua imagem lembra coragem, bravura e fé!
E o céu que tua asa palpa une Atahualpa a Sepé!
-.-.-.-
REFRÃO
-.-.-.-
Voa, gigante alado, buscando um tempo melhor!
Guia o povo ameríndio pelos caminhos da paz!
Clama livre esta terra, regada a sangue e suor!
E esmaga a mão que te oprime com a força de uma tenaz!
-.-.-.-
REFRÃO
-.-.-.-
Um dia a voz do índio, de Machu-Picchu às Missões,
Resgatará, no tempo, sua cultura ancestral;
E então, um canto livre virá, mesclando nações;
E ecoará na terra, dos Andes ao Pantanal!
-.-.-.-
REFRÃO (bis)
-.-.-.-
Foi feita para uma criança de rua, que conheci em Porto Alegre, no canteiro da esquina das ruas André da Rocha com Salgado Filho. Era um menino lindo, sarará de olhos verdes e cabelo claro encarapinhado, que ainda usava fraldas e mal sabia falar. Balbuciava pedindo uma moeda e puxava os espelhos dos carros, ficando na ponta dos pés para ver o rosto. Quantas vezes, tive ímpetos de tirá-lo dali, chegando a comentar com amigos que pensavam o mesmo, mas que nada fizeram pelas mesmas covardes razões que eu não fiz. É fácil adivinhar o seu destino, ainda que o desfecho seja imaginário.
(Miro Saldanha)
O sol do velho porto
Ainda cochilava.
E o vulto pequenino estava lá;
Pequenas mãos vazias;
Às vezes, cicatrizes;
E o brilho da inocëncia no olhar.
Corria no canteiro
E se olhava nos espelhos;
Pra ele, a vida abria no vermelho!
“Ôh tio, dá uma mueda!
piquena, podi sê!
Só pru meu pai não batê.”
E, no verde dos seus olhos,
Veio o verde do sinal;
E a vida continuou, na capital.
Afinal, quem liga
Se uma vida se profana?
O caso é tão comum na selva urbana!
É só mais uma covardia humana!
E o sol do velho porto
Deitou-se, em muitas tardes,
E o vulto do menino estava lá!
Mas mãos, uma pistola!
Corria no canteiro;
E todos o chamavam Sarará!
E, nas manhãs cinzentas,
Foi manchete de jornal:
"O Sarará matou na capital!"
E, em breve o povo, alegre,
Corria a comentar:
“Mataram o bandido Sarará!”
E o verde dos seus olhos
Se fechou, como o sinal;
E a vida continuou, na capital.
Afinal, quem liga
Se uma vida se profana?
O caso é tão comum na selva urbana!
É só mais uma covardia humana!
E o sol do velho porto
Deitou-se, àquela tarde,
E o corpo do menino estava lá!
E olhando em meu espelho,
No fim daquele dia,
Eu vi a minha própria covardia!
É uma modesta homenagem que fiz a esse ícone da música latino-americana, chamado MERCEDES SOSA (09 de julho de 1935 a 04 de outubro de 2009). Há muitas coisas sobre ela que não podem ser apenas coincidência. Nasceu no mesmo dia da independência de sua pátria (09 de julho), seu berço natal foi San Miguel de Tucumán, a mesma província onde foi proclamada a independência de seu país; Era uma patriota inquebrantável, costumando dizer que "Patria solo hay una"; Cresceu musicalmente cantando mensagens de patriotismo e rebeldia, e se tornou conhecida como "a voz dos sem voz"; Exilou-se voluntariamente, de 1979 a 1982, mas voltou ao seu país sem nunca deixar de acreditar em suas convicções. Seu destino sempre esteve inegavelmente ligado ao de sua pátria. Finalmente, partiu como disse que partiria. Cantando até quase o final dos seus dias.
(homenagem a Mercedes Sosa)
(Miro Saldanha)
Em 9 de julho cintilou a estrela da pátria Argentina;
E, em 9 de julho, lá, no mesmo céu, brilhava outra estrela; a de uma menina.
Gracias a la vida, dizia seu canto;
Um canto de pátria que cruzou fronteiras, num bombo leguero e numa voz de moça;
E hoje, cruza os céus na voz de La Negra; La Negra Mercedes, la eterna SOSA.
En el valle de estrellas por donde voi,
A mi tierra y a la vida, gracias lo doi.
Um canto nativo, que traz o legado da terra plantada com as mãos,
Tua voz entoará.
E aos que, cativos na paz, são fadados à guerra e à escravidão,
Tua voz libertará.
Se o olho de algoz da rapina perfurar o véu negro da escuridão,
Teu tino perceberá.
E a força de tua voz latina se erguerá aos céus, em defesa do chão;
E o povo te seguirá.
REFRÃO
Na voz que canta nas fontes, tua canção se ouvirá.
E, na garganta dos montes, o eco repetirá.
Quando cantar, en los valles, La Negra de Tucumán,
Cantará el pueblo en las calles; Y los Andes repetirán.
A voz, que nas ruas é orgulho de um povo na esteira de seus ideais,
Pintou de Pátria o teu dia;
E se o ciclo das luas de julho fez voz e bandeira em datas iguais,
De alguma forma, sabia
Que o punho sagrado, que brinca com a pena que lavra o nascer das nações,
Tinha marcado com “x”
O dia em que o brado dos Incas seria palavra; em tuas canções
E nas veias do teu país.
REFRÃO (Bis)
..........
En el valle de estrellas por donde voi,
A mi tierra y a la vida, gracias lo doi.
É uma regravação do CD em dupla. Aborda o tema do homem do campo, jovem e impetuoso, que vem para a cidade em busca do sonho de uma vida melhor. Quando descobre a dura realidade debaixo das pontes, já não tem mais para onde voltar.
(Miro Saldanha)
Olhei o mundo, do lombo do ruano,
E achei tão plano pra me segurar.
Quem tudo enxerga só não vê o engano!
Mil horizontes vinham me encontrar.
Tranquei minuanos no rancho tapera
E a primavera não me achou por lá.
Troquei por nada o que já pouco era
E o peão que eu era se mudou pra cá!
REFRÃO
Cortei as canhadas,
Venci as distâncias.
Na poeira da estrada,
Deixei as estâncias;
Na louca jornada
Buscando meu sonho de piá!
Achei outro mundo!
Peões em repontes,
De olhos no fundo,
Debaixo de pontes.
Tornei a buscar horizontes,
Porém já não tenho
Pra onde voltar!
x.x.x.x.x.x
Fiz preces xucras, de cristão teatino,
Ao Deus menino, que me há de escutar;
Pra que não sigam o meu desatino,
Neste destino de ilusão sem par!
Daqui meu sonho volta, ao tranco largo,
Nas poucas horas que posso sonhar;
Juntando frases, num refrão amargo,
Que esta saudade me obriga a cantar!
REFRÃO (Bis)
É uma zamba leve, de mensagem bem positiva, cuja letra reforça a convicção de que a felicidade reside nas coisas simples, e pode e deve ser buscada naquilo que se tem.
(Miro Saldanha)
Eu moro num rancho a quatro ganchose costaneira,
Marco de fronteira, ponto de partida.
Quando o sol levanta e a vida canta na cigarra,
Eu pego aguitarra, pra cantar a vida.
Meu canto de paz, no bojo, traz cantos de guerra
E o sangue da terra, que é seiva na planta.
Eu entro de frente nosambientes requintados,
Mas, por outro lado, o simples me encanta.
REFRÃO
Meu canto charrua se veste de gala
E o Uruguai me embala num tronco de corticeira;
Se um tango flutua, num passo perfeito,
Coração, no peito, bate zamba y chacarera.
Se o Uruguai recua, eu cruzo montado;
Vou buscando o som de um bandoneon pela fronteira.
Dois olhos de luanum corpo bem feito,
E um bombo, no peito, bate zamba y chacarera.
x.x..x.x
Há quem diga que eu sou o mais ateu dos infelizes,
Por não ter raízes nem querer fortuna;
Por viver à beira da ladeira do abandono,
Dos catres sem dono, yde guitarra y luna.
Mas de que me adianta terra tanta e gado miúdo,
Se quem tem de tudo, por pouco se arrasta?
E se não me enfeitiça essa cobiça sem medida
É porque, tendo a vida, meu pouco me basta.
REFRÃO (bis)
Foi composta para um festival litorâneo. Tem como tema a atração que as águas exercem sobre certas pessoas, algumas das quais chegam a relatar quase um transe quando contemplam o mar ou grandes cursos d´agua. A letra aborda esse fascínio com uma pitada mística, sugerindo que a explicação para esse fenômeno esteja além da razão, repousando em algo já vivido mas situado fora da existência atual e por isso não plenamente resgatável pela memória. Fragmentos de um tempo extra-sensorial, uma espécie de Déjà vu desencadeado pela visão das águas.
(Miro Saldanha)
Tal como as lendas de sereias e mães-d’água,
Minha história com as águas tem começo meio e fim;
Quando eu apeio e solto as rédeas na areia,
Contemplando a lua cheia, minha alma sai de mim.
Tenho, com as águas, uma estranha intimidade;
Como uma cumplicidade que me traz a este lugar;
Onde a razão busca razões, mas não entende
Qual o elo que me prende a esta areia e a este mar.
xxxxx
REFRÃO
E quando a hora programada ,e que é só minha,
Puxar a ponta da linha me chamando para cá,
Quem me buscar não busque entre as rédeas caídas!
Siga as águas na descida que depressa chegará!
Não me procure onde o sol poente some
Nem na cruz com o meu nome, porque não me encontrará.
Mas onde o mar beijar a lua tão redonda,
Depois da última onda, certamente estarei lá!
xxxxx
Tem algo aqui de instinto e não de raciocínio,
Que exerce esse fascínio desse jeito sempre igual;
Que está na brisa, nessas velas, nessas cores,
No suor dos pescadores feito de água, sol e sal!
Às vezes, penso que eu cheguei com as correntezas;
Que nasci nas profundezas, só depois fui flutuar.
E, se é verdade que o bom filho à casa torna,
Esta água meio morna , um verão, vai me levar.
xxxxx
REFRÃO